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Você que esta lendo minha escrita muito provavelmente não
conheceu o meu avô. Mas não tem problemas eu posso contar para você um pouquinho
de como ele era.
Meu avô nasceu em 1927, uma época que não consigo nem imaginar
como era de tão distante do momento em que eu nasci. Quando eu vim para esse
mundo ele já tinha 62 anos. Era alto, bem alto, com os ombros largos e magro.
Com o passar dos anos perdeu alguns centímetros, pois os velhinhos tendem a se
curvar um pouco, acho que pelo peso da própria vida, mas ainda assim era uma
pessoa de estatura alta. Tinha os pés grandes, calçava 44 ou 45 e usava sempre a
mesma marca de chinelos, aqueles Riders que tinham uma faixa atravessando em cima
do pé. Quando eu era bem pequena pedi de presente um chinelo Rider igual ao do
vô, e não é que acharam? Ganhei um rosa com desenhos infantis.... achei um
máximo!

Seu Galdino, era calmo, o mais calmo da nossa casa, falava
baixo, devagar, dava muito mais que uma boiada para não entrar em uma briga,
achava que o respeito era a coisa mais preciosa da vida e se fosse quebrado entre duas pessoas nunca mais a convivência voltava a ser o que era. Adorava contar
histórias. As contava para qualquer um. Se você fosse a minha casa e ficasse
mais de cinco minutos, sairia de lá com uma. Se ficasse para uma cuia, sairia
com várias. Ele dava conselhos ás vezes também, quando achava necessário, mas
isso só para os de casa. Era sério, bem sério e reservado, não era uma pessoa
de demonstrar afeto e carinho, mas isso foi mudando com o tempo... e você vai ver
ao longo desse história.
Vamos então para o primeiro presente que dei a ele e que me marcou. Mas primeiro preciso contar algo sobre mim para que você possa entender. Eu não conheço meu pai. Lá naquele documento chamado certidão de nascimento consta só o nome da minha mãe. Mas não se comova, ou tenha qualquer tipo de sentimento parecido. Para mim, sempre, ou quase sempre, tirando uma ou duas vezes que na adolescência tive crises de ninguém me ama ninguém me quer, sou um pouquinho dramática ás vezes e na adolescência acho que todos somos mesmo, esse fato dele ser desconhecido, não me afetava e ainda não me afeta. Posso dizer que a vida toda, isso sobre mim não era um tabu ou uma questão delicada. Na minha mente é assim: você tem seu pai e acha isso normal, eu fui criada pelo meu avô, tendo ele como minha figura paterna, e isso era o normal para mim. Simples assim.
Voltando, quando fui para a escola, na verdade não lembro se no jardim A ou B, chegou o dia dos pais. Eu fiquei muito empolgada, acredite.
Naquele ano tínhamos que levar uma camisa. Não me lembro bem, sei que pintamos um desenho com o rosto de um cachorro, um desenho daqueles mimeografados (se você sabe o que é essa palavra já não é tão novo, assim como eu, sinto dizer), e a prof colocou na caixa de uma maneira como se as orelhas do cão fossem as mangas da camisa. Nessa parte me faltam detalhes, o que consigo lembrar nitidamente é da camisa, azul e amarela de mangas longas, talvez fosse moda naqueles tempos, eu amei aquela camisa.
Alguns coleguinhas me perguntaram para quem eu ia dar, e eu
achei essa pergunta muito estranha, respondia: pro meu avô ué! Minha empolgação,
naquele momento se dava porque como ele era bem sério e de não muita
proximidade, eu ia aproveitar o momento para um abraço bem apertado e dizer vô
eu te amo, já que tinha um pouco de vergonha de fazer isso normalmente, e de repente ganhar um eu te amo de volta.
Chegou o grande dia. Dei o presente camisa de cachorro, ele
achou engraçado as orelhas de camisa, me deu um abraço bem apertado e me disse
o meu “eu te amo!”. E a partir dali, passei a ganhar vários eu te amo, parecia
que ele tinha ganhado uma licença para se expressar, aproveitávamos os dias dos
pais, os aniversários dele, os meus, as páscoas, os natais... esse foi o meu
primeiro melhor presente.
Os anos passaram, cresci me mudei de cidade. Sempre fui muito apegada a eles. Num dos primeiros anos que morava aqui, chegou a época do aniversário dele e eu estava enjoada de dar coisas normais. Como fazia aniver em julho, ele ganhava sempre, roupas de frio, toalhas de banho, camisas, cuecas, meias e esses coisas que geralmente são o que as pessoas dão para os homens. Queria um presente super diferente e especial.
Durante a semana que antevia a minha ida para casa, fiquei pensando
em quais presentes eram clássicos para homens, os homens de negócios aqueles
importantes de filmes sabe? Na minha mente passavam coisas como, relógios Rolex,
que eu não tinha dinheiro para comprar. Charutos, que meu avô jamais fumaria. Vinhos
ou bebidas caras, mas ele não bebia álcool havia anos. Livros, que ele não leria,
pois Seu Galdino não sabia ler nem escrever, mas em compensação em cálculos era
fera, tanto que ele foi quem me ensinou as quatro principais operações matemáticas
muito antes de eu aprendê-las na escola. Em sapatos de couro, mas ele tinha
mais de um e quase não usava pois saia pouco. Inclusive isso me fez lembrar que
foi ele que me ensinou a amarrar os tênis também. E dinheiro porque não? Não,
eu não ia ficar com a escolha mais impessoal de todas.
Então decidi montar uma cesta com presentes clássicos para
homens. Comprei uma cesta, papel celofane e coloquei dentro: uma caixinha como
uma foto de um Rolex por fora, mas que dentro continha biscoitos amanteigados. Meu
avô adorava biscoitos. Um pacote de charutos de chocolate que encontrei numa
dessas lojas que vendem chocolates de Gramado. Um suco de uva, o que resolvia a parte do vinho
chique. Um livro de imagens que não tinha nenhuma palavra escrita, somente fotografias
de paisagens do Rio Grande do Sul para ele olhar quando quisesse. Um par de
chinelos, aqueles de couro por fora e pelinhos por dentro, já que isso sim ele
ia usar. E por fim, um saquinho de
moelas de chocolate, afinal todo mundo gosta de dinheiro e chocolate, os dois
em um só é perfeito. Ah! E um cartão desejando feliz aniversário e dizendo Eu Te
Amo, que eu li para ele depois de contar todo o rolê e o porquê daquelas
coisas.
Quando dei a cesta para ele, contei tudo e li o cartão, ele
me abraçou, e disse que tinha muito orgulho de quem eu era. Mal sabia ele que
era exatamente o que eu queria dizer para ele com todas aquelas coisas de “homens
importantes de negócios”. E esse foi o segundo melhor presente que eu ganhei.
Na verdade, eu não saberia enumerar os presentes que dei para meu avô, até porque todos fui eu quem ganhei e foram muitos durante a vida.
Confesso que derramei várias lágrimas te contando tudo isso. Mas essa história
e essas lágrimas são de alegria! Sim de alegria mesmo, por ter vivido tudo isso
e de poder te contar também. São de amor, respeito e estaria mentindo se não dissesse
saudade também. Eu espero, do fundo do coração que você possa dar e receber
muitos presentes ao longo da sua vida.
Bjos e até mais!
Obs.: Com certeza deve ter uma foto dessa cesta, perdida pela
minha casa lá em Taquari ou escondida num Pen drive por ai... como não encontrei, vou por uma
foto nossa do dia da minha formatura para você possa conhecê-lo.
Comentários
adoro ler as tuas histórias mesmo pq elas lembram um pouco de mim pq pertencemos as mesmas raízes
ResponderExcluirQue alegria ler isso... é tão bom lembrar de nós mesmos de momentos em que vivemos... Volte sempre que quiser!
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